terça-feira, 4 de agosto de 2009
A feijoada: verdade ou folclore?
A feijoada: verdade ou folclore?
Durante muito tempo, ouvimos falar que a feijoada prato típico da culinária brasileira, com diversos tipos de acompanhamento: arroz, mandioca frita, torresmo, laranja, caipirinha e outros; teria a sua gênese na escravidão. Iguaria atribuída a alimentação dos negros africanos escravizados no Brasil nas suas refeições nas senzalas.
Tal refeição era constituída de “restos” de pertences miúdos de porcos: orelha, rabo, fissuras internas, pé e outros animais, segundo o que se difundiu era especificamente miúdos de suíno renegado na culinária dos senhores de engenho e escravos.
Culinária que haveria surgido dentro das senzalas no Brasil, no período do século XVIII e meados do século XIX. Época em que o Brasil viveu o apogeu da escravidão, com base econômica na cana-de-açúcar, café e mineração.
Precisamos entender que a economia brasileira gravitava em tornos destas culturas que a sustentava, encontramos neste momento um Brasil agrário, monocultor e escravista. O complemento alimentar tanto para os senhores de engenho como do restante da população necessitava da importação.
A base alimentar era constituída por farinha de mandioca e/ou de milho desde os primórdios da escravidão no Brasil, preparada com água e alguns poucos complementos.
A sociedade escravista do Brasil no século XVIII e parte do século XIX foram constantemente assoladas pela escassez e carestia de alimentos básicos decorrente da monocultura que estruturava o país economicamente. Também por conta da dedicação exclusiva à mineração, do estímulo e investimento do trabalho escravo.
Não era rara a morte por deficiência alimentar, incluindo também a morte dos próprios senhores europeus que compunha a classe dominante brasileira.
Os negros escravos eram a força motriz, trabalhavam muito, encontramos neste a principal máquina humana de produção econômica. Sendo o seu custo muito elevado.
Para tal encontramos uma rotina alimentar seqüenciada, devendo comer três vezes ao dia, almoçando às oito horas da manhã, jantando à uma hora da tarde e ceando entre as vinte e vinte uma hora da noite.
Podemos verificar no cardápio dos escravos a presença de angu de fubá de milho ou de farinha de mandioca, feijão temperado com sal e gordura, servido muito ralo, com uma ocasional aparição de algum pedaço de carne de vaca ou porco.
Em certas ocasiões a presença de laranja colhida do pé como complemento. Quando se realizava uma boa colheita de café, onde capataz cedia um porco inteiro aos escravos, mas isso era exceção.
A relação que encontramos neste período entre os negros escravizados e seus senhores é multifacetada, analisando pela tipologia moderna se evidencia nesta sociedade da época três tipos de Poder: Poder econômico – aquele que é exercido através da posse de bens para controlar quem não os possui; Poder Ideológico – que está fundamentado na influência das idéias sobre as pessoas; e Poder Político – que está fundamentado na posse de instrumento necessários ao exercício do poder coativo.
A relação de poder está estabelecida num fenômeno típico das relações sociais, não deixando de observar as relações entre o negro escravo e seu senhor uma relação autoritária, a contar que este primeiro põe uso do Poder Individual – que é a capacidade de controlar ou influenciar pessoas com base na força física ou habilidade de convencimento.
A alimentação deste negro no momento escravo se vislumbra conforme a sobrevivência e necessidade. Haja vista que encontramos escravos domésticos, escravos de ganho; e estes privam em certo momento da ambiência culinária do seu senhor.
Um recibo datado de 1889 pela Casa Imperial num açougue em Petrópolis na cidade do Estado do Rio de Janeiro, registra a compra de carne verde, vitela, carneiro, porco, lingüiça, lingüiça de sangue, fígado, rins, língua, miolos, fressura de boi e molhos de tripas.
Comprovando que não era somente os escravos que comiam essas iguarias, e de nenhum modo considerado “restos”, ao contrário era considerada iguaria. Em 1817 regulamenta-se a profissão de tripeiro na cidade carioca, vendedores ambulantes se abasteciam nos matadouros de gado, porco e partes destes animais.
O fígado, coração e tripas eram utilizados para fazer o angu, comumente vendidos pelas escravas de ganho ou forras nas praças e ruas da cidade.
Evidenciando que até este momento a culinária brasileira não era inelástica, pelo contrário, reflexo da manifestação da relação social que sempre existiu entre senhor e escravo no período escravista brasileiro.
Tal relação não nos permite fundamentar que o aparecimento culinário da feijoada seja restrito aos escravos na senzala, quando também a encontramos na culinária européia o apreço por cozidos, principalmente em Portugal nas regiões de Estremaduras, das Beiras, Trás-os-Montes e Alto Douro.
Misturando lingüiça, pé de porco e orelha a cozidos, muito comuns na Europa. Quando este europeu no Brasil interage com esta mão-de-obra africana escravista como fonte de produção e alimentação.
Nos leva a concluir que a feijoada, prato típico da culinária brasileira, foi um tipo de alimento que se evoluiu dentro do país a partir de influências trazidas da cultura gastronômica européia e não necessariamente originária direta e unicamente pelo negro escravo.
No início do século XIX a feijoada já era bastante conhecida dentro do território brasileiro, já intitulada como a “feijoada brasileira”. Quando em 1848 o Jornal Diário de Pernambuco registra um anúncio revelando a venda de carne de toucinho própria para feijoada ao custo de oitenta réis de Libra.
Em 1849 o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, registra que no dia seis de janeiro na recém instalada Casa de Pasto “Novo Café do Comércio”, junto ao botequim da “Fama do Café com Leite” será servida a pedido de muitos fregueses a “bela feijoada à brasileira”, todas as terças-feiras e quintas-feiras.
Luís da Câmara Cascudo, Historiador, Folclorista, Antropólogo, Advogado e Jornalista, em uma das suas observações, concluiu que o processo culinário da feijoada ainda continuava em desenvolvimento.
A relação socioeconômica do negro africano quando escravo no Brasil, se constituiu de base totêmica – fenômeno que certas sociedades primitivas se julgam ligadas de modo específico. A contextualização da feijoada como prato culinário de gênese brasileira remonta de uma lenda contemporânea, romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.
Portanto, a feijoada brasileira não passa de um hibridismo cultural, social e econômico.
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